Coisa irritante é a linguagem dos clichês: expressões repetidas à exaustão que se tornam verdade, não pela sabedoria que encerram, mas pela insistência do uso. “A voz do povo é a voz de Deus”, “Deus escreve certo por linhas tortas”, “Deus ajuda quem madruga”, “Quando Deus fecha uma porta, é porque vai abrir outra melhor”, são algumas expressões da cultura popular tratadas como verdade e, para alguns, verdade bíblica.
Pior é quando as expressões bíblicas são pronunciadas literalmente, sem a devida atenção ao significado por trás das palavras. Isso acontece quando as pessoas “tiram o texto do contexto”, isto é, isolam uma afirmação e a interpretam segundo sua conveniência, deixando de levar em consideração o que o autor pretendia. “Jesus Cristo é o Senhor”, por exemplo, pode tanto significar que “não há nada que Ele não possa fazer por você” quanto “você deve fazer tudo por Ele”. Evidentemente, o segundo significado é o bíblico: Jesus é o Senhor para que ao nome dele se dobre todo joelho.
Uma das expressões bíblicas mais repetidas fora do contexto é a famosa frase “todas as coisas cooperam para o bem” (Romanos 8.28). Lembro do professor da escola bíblica que interpretou este texto bíblico contando a história do crente que teve seu carro roubado e abandonado sem gasolina no alto da serra justamente no dia em que sua cidade foi alagada. Isto é, se o carro não tivesse sido roubado (coisa ruim) não seria poupado do alagamento (coisa boa). Conclusão: todas as coisas (roubo do carro) cooperam para o bem (ter o carro em terra seca numa cidade onde todos os carros estão boiando). As notas de rodapé da Bíblia NVI (Nova Versão Internacional), oferecem outra possibilidade de tradução do texto. Em vez de “tudo coopera para o bem” e mesmo “Deus age em todas as coisas para o bem daqueles que o amam”, a melhor opção é “Deus coopera juntamente com aqueles que o amam, para trazer à existência o que é bom”.
Na primeira tradução (Deus age em todas as coisas), Deus é um solucionador de problemas; na segunda (Deus coopera juntamente com aqueles), um solucionador de pessoas. Na primeira, Deus faz coisas para as pessoas; na segunda, Deus faz coisas com as pessoas. Na primeira, Deus abençoa pessoas independentemente da ação das pessoas; na segunda, Deus abençoa pessoas num relacionamento com ele. Na primeira, Deus faz coisas pelas pessoas; na segunda, Deus capacita as pessoas a fazer coisas. Na primeira, ficamos à espera dos sinais de Jesus; na segunda, agimos com ousadia para fazer sinais em seu nome, pois aquele que crê em mim, disse Jesus (João 14.12), “fará também as obras que tenho realizado e coisas ainda maiores”.
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